Porque hoje seria o teu aniversário, mas não só...
- asduarte79
- 18 de ago. de 2016
- 4 min de leitura
Se estivesses aqui... se te pudesse ver e falar por apenas um minuto que fosse, correria para ti e abraçar-te-ia, diria que senti saudades, que às vezes essas saudades doeram e que vou gostar de ti para sempre. Diria que foste e serás sempre especial. O meu “avô careca”, que viveu e esteve comigo em muitos dos mais importantes momentos da minha vida.
Deixaste-nos cedo demais...
Talvez por teres vivido connosco, talvez por ter sido a tua única neta, criou-se entre nós uma ligação tão forte, que nos unirá para sempre. Foste um pouco “pai”, foste sempre e estiveste sempre lá. Quantas vezes me levaste a passear, me mostraste a tua colecção de livros, me contaste as tuas histórias. Contigo ia ao cinema ver os mesmos filmes vezes e vezes sem conta. Contigo descobri o São Jorge, o Cristo Rei, os cacilheiros, a rua dos Bacalhoeiros... Como poderia Lisboa não ter um significado tão grande para mim, se te vejo e te recordo em cada sítio? Junto com o meu pai, fizeste-me amar para sempre esta cidade, conseguiste que olhasse para ela com eternos olhos de criança, para quem cada esquina é uma deliciosa descoberta. E tenho tanto a agradecer-te por isso...
São tantas as lembranças, como poderis pô-las todas numa simples folha de papel?
Lembro-me dos picnics, da forma como escolhias o melão e o cortavas. Lembro-me como compravas sempre nas mercearias antigas (talvez porque em tempos também tu trabalhaste numa) e como adorava ver os produtos embrulhados naquele papel grosso e cinzento. Lembro-me de termos brincadeiras só nossas, de te puxar as orelhas e de tu “fazeres desaparecer” o meu nariz entre os teus dedos. Uma nostalgia invade-me e penso no quanto gostaria que pudesses viver esses e outros momentos com a tua bisneta. Penso em como a ias adorar. Como me adoraste a mim. Em como a ias mimar, como me mimaste a mim. Vou-lhe falar tanto de ti. Tenho a certeza de que irá adorar “conhecer-te”.
Lembro-me de irmos a pé até à praia de Caxias e de me chatear com aquele teu amigo que todos os dias perguntava o mesmo: “quem é mais teimoso, o avô ou a neta?”. Lembro-me de uma altura em que passeávamos de comboio e pagávamos apenas meio bilhete, tu por seres reformado e eu por ter pouca idade.
Lembro-me da forma como a diabetes te atacou e da forma como foste um lutador. Lembro-me das tardes passadas no hospital, da tua determinação e da forma como deste a volta por cima. Não ia ser meia dúzia de injecções de insulina e uma prótese que te iam deitar abaixo. Aprendi tanto contigo nessa altura. Nunca, nunca desistir! E foi assim contigo. E não, não foi esta doença que te levou de nós, mas uma simples e inofensiva gripe que em tempo relâmpago te tornou tão vulnerável. Como podia imaginar que ia ser assim? Sabes quanto tempo demorei a fazer as pazes comigo mesma? A tentar perdoar-me por não “ter estado lá” para a mãe, por fingir que não sentia nada, quando uma parte de mim tinha sido levada para sempre. Pensei que assim seria melhor, que lhe daria mais força. Sei hoje que não foi assim. Sim, sem saberes ensinaste-me outra grande lição... nunca fingir o que não sinto, nunca fazer-me de forte quando há momentos para nos irmos abaixo, chorar, gritar e revoltar. Temos esse direito! Passados anos, consegui deixar de te chorar. Chorei tanto por ti... Sozinha, a caminho da Faculdade, no metro. Chorei à noite, pelo simples facto de nunca mais te ir ver. E chorei por me culpar de ter desvalorizado aquilo que estava a acontecer, por mesmo com os meus 20 anos não ter batido o pé e não te ter levado para o hospital no primeiro momento em que vi que não estavas bem.
Nunca me vou esquecer daquela noite. Como poderia? Da forma como mesmo a desligares-te deste mundo, tentaste não nos deixar “desamparados”. A forma como me pediste para ir embora do quarto, porque não querias que te visse assim. A tua imagem no sofá da sala, à espera de uma ajuda que já nada poderia fazer. Nunca vou esquecer do último momento em que te vi. A despedida mais dificil da minha vida.
Finalmente passados alguns anos fiz as pazes comigo mesma. Tentei “visitar-te”, enfrentei os meus medos, revoltei-me por ser tarde demais, chorei mais uma vez e pedi-te perdão. Percebi que nada poderia ter feito, que não poderia ter gostado mais de ti, que na altura não poderia ter dado mais do que dei. Substitui os pensamentos amargos por doces lembranças e como elas vivo em paz. Gosto de acreditar que em algum lugar (mesmo que só nos meus pensamentos) estás a olhar por mim e a proteger-me. Gosto de pensar que para mim serás sempre o “avô António”, o “avô careca”, que tanto me deu e ensinou. E isso... isso é tão grande. Viverás sempre comigo e transmitirei parte daquilo que me ensinaste a ser à minha filha e às pessoas à minha volta. Continuarei a lembrar-me com um sorriso na rosto dos nossos momentos. Das sandes que me preparavas quando chegava a casa, das ginjas que me davas e dizias serem cerejas, da forma como pegavas ao colo quando era pequena, da forma orgulhosa como posaste ao meu lado no dia da minha primeira comunhão, das viagens a Viseu, dos teus bonés e dos teus olhos claros e meigos, da forma como me perguntavas se já estava acordada, quando sabias que ainda estava a dormir e da forma como isso me aborrecia na altura, ...
Avô... vou lembrar-te e adorar-te sempre.

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