Gravidez em Perspectiva
- asduarte79
- 9 de ago. de 2016
- 9 min de leitura
Escrever sobre a gravidez é sempre contraditório. É um período de “emoções à flor da pele” e, sobretudo se se trata do primeiro filho, tudo é novidade e tudo é ao mesmo tempo incrivelmente assustador e fantástico. Por isso decidi registar o que tenho vindo a sentir em “breves” palavras. Tenho escrito sobre momentos específicos da gravidez que espero um dia poder “passar a limpo” e partilhar, mas para já deixo um apanhado daquela que tem sido a minha experiência ao longo destes mais de 8 meses. Quero sublinhar, no entanto, que tudo isto se passou comigo, é fruto da minha experiência pessoal e como cada caso é um caso... não é regra geral (como muitas vezes nos querem fazer acreditar).

No início é o caos...
Sim, para mim os dois primeiros meses foram os mais caóticos. Embora agora tenha momentos de desconforto e de impossibilidade de fazer o que antes fazia com uma perna as costas, nada bateu para mim (até agora) os 2 primeiros meses. E não estou a falar da barriga inchada (não barriga de grávida, inchada mesmo tipo gases acumulados depois de um rico repasto de feijoada com grão e afins). Não estou também a falar do meu único enjoo... o cheiro intenso de refogado que parecia entranhar-se por toda a casa, na minha roupa e no meu cabelo. Não, falo da tamanha incerteza inicial. Do medo de “perder” algo tão precioso que ainda nesse momento estava a começar. Nessa altura, e talvez porque passei por uma situação de perda no passado recente, tudo era motivo de preocupacão. Lembro-me de ler e reler todas as listas proibidas e de as seguir à risca – nada de queijos moles, de coisas fumadas, de sushi, etc etc etc. Cada dia anterior à ecografia era um aperto no peito sem fim. Vinha-me à memória o que antes se passara e antecipava o pior. Valeu-me a calma e optimismo do André nestas alturas. “Tenho a certeza que está tudo bem”, era a única coisa que me dizia para me fazer sentir melhor. E isso, entre lágrimas e abraços, era o suficiente. Tirando as “vésperas”, tudo corria devagarinho e de forma calma. Aliás, não sinto que estes meses tenham alguma vez passado a correr. Sinto que saboreei cada fase lentamente, como se devem saborear momentos únicos como este.
Só depois da eco das 20 semanas me senti a acalmar. A confirmação de que tudo estava bem deu-me uma calma tremenda e senti que finalmente podia aproveitar ainda mais o momento. Mais do que saber que ia ter uma menina, o saber que estava bem, deixou-me finalmente relaxar.
Mas tirando a inquietude mental, posso dizer que o primeiro trimeste foi de grande calmaria. Nada de vómitos, nada de enjoos (à parte do cheiro a refogado dos 2 primeiros meses), nada de tonturas... Senti apenas um porradão de sono, é certo. Algo incontrolável, que me fazia querer sair a correr do trabalho e entregar-me à sesta. As noites passaram a ser santas. Nem o ronco do respectivo me impedia de dormir horas e horas seguidas. E quando não estava com sono tinha quilos de energia. Continuava activa a fazer zumba, pilates, a dançar, a andar de bicicleta... A barriga continuava pequena (e assim se manteve discreta até pelo menos meados dos 5-6 meses) e o peso não era também problema. Não tinha fomes loucas, nem desejos nocturnos... nada que ja não tivesse antes de ficar grávida. As mudanças de humor também não as senti.
O que senti foram algumas mudanças no corpo. O peito aumentou (já diria uma amiga minha “a gravidez é o silicone dos pobres”). Até ai nada de problemático. No entanto, a minha pele ficou uma lástima (felizmente depois passou). Borbulhas e coceira pelo corpo todo e manchinhas vermelhas no rosto. Tenho bem presente a memória de me coçar que nem um urso nas ombreiras das portas. Ganhei, porém, direito a comprar um kit make up novo e com produtos de qualidade. Eu, que nunca tinha usado base na vida, passei a ter a base da Clinique como uma das minhas melhores amigas. Por isso, nem tudo é mau. Por outro lado, o meu fino cabelo ganhou quilos de volume e força e mantém-se assim até hoje (e que assim continue). Também ganhei um alibi fantástico para comprar cremes hidratantes, afinal... ninguém quer ganhar de bonus as famosas estrias.
O segundo (e calmo) trimestre
O que ouvi e li sobre o segundo trimestre confirmou-se realmente no meu caso. Pelo menos o início e fantástico. O sono diminuiu, a energia estava lá para dar e vender e sentia que podia fazer tudo sem problemas! Contei aos amigos mais próximos e apercebi-me que as pessoas realmente ficam felizes por ti. Sabe sempre bem. Mas como tudo tem um segundo lado, também nem sempre foi fácil para mim lidar com os “conselhos”, “previsões”, “superstições”... Confesso que até hoje é talvez das coisas que menos gosto da gravidez. A minha inexperiência nestas andanças fez-me ler várias coisas e perguntar muitas mais. Gosto de falar com quem já passou pelas situações, gosto de fazer perguntas totós, de ouvir experiências pessoais e sinto que certas “orientações básicas” são sempre preciosas, porque considero que nunca sei o suficiente e estou sempre a aprender. Mas ultrapassa-me o facto das mães (sobretudo as mães!) se esquecerem do quanto uma gravidez às vezes não é fácil, se esquecerem de que cada caso é um caso e assumirem a sua experiência como a única válida e tecerem comentários e verdades universais, polvilhadas com moralismos que às vezes não passam disso mesmo. Frases como “tens que te manter calma, relaxa e aproveita agora” pode fazer explodir a mais calma da grávidas. E é pena que as mães tenham memória curta nestas coisas. Eu acredito que a gravidez seja “simples” comparada ao facto de ter um filho. Mas, enquanto vivemos essa gravidez (por muito santa que seja, como tem sido a minha) há momentos complicados, de grandes medos e incertezas, de choro e pânico... de hormonas loucas e descontroladas...e é normal! E é só isto que é preciso ouvir nessas alturas: “é tudo normal!”. Se eu chorar por meia hora seguida, a minha bebé não nascerá em stress como me chegaram a dizer. Se eu tiver medo, ela não nascerá, só por isso, insegura. Posso dizer que passei 95% do tempo feliz até agora. Mas os 5% de pânico e terror vivi-os intensamente, deitei tudo cá para fora, não guardei nada para mim, não fingi que tudo era um mar de rosas. E espero um dia poder transmitir isso à minha pequena. Se é para chorar, que não finja que está tudo bem... que chore tudo. Se é para gritar, que grite até perder a voz. Amanhã será sempre outro dia e estará pronta a recomeçar ainda com mais força!
Outras frases como “depois vais ver”, “ah, isso depois muda”, “isso dizes tu agora”, “vai ser assim, vais ver” também não acrescentam nada à nossa felicidade. Volto a dizer... cada caso é um caso e moralismos sempre me fizeram uma certa confusão. O que aconteceu com A pode não acontecer com B, então porquê generalizar? Porquê bater o pé e afirmar que será de determinada maneira? Enfim... deixa-me calar as hormonas (que estão de novo a falar por mim!).
Tirando a parte do bullying materno, tudo parece fantástico neste trimestre!
Passei a comer tudo sem torcer o nariz, a pele ficou melhor, a energia em alta, viajei e passeei de forma tranquila. Sentia que ainda tinha tempo e não tinha a “pressão” de pensar naquilo que ia precisar de fazer daí a uns meses. Foi tempo de aproveitar!
As ecos que fiz nessa altura foram também uma delícia... soube que estava tudo bem, soube o sexo do bebé, consegui ver mais pormenores. Comecei a ter a real noção do que me estava acontecer.
Por volta dos 6 meses a barriga começou a tornar-se evidente! Parei com as aulas de zumba algures por essa altura (já não me sentia com estaleca para aquilo) e dediquei-me ao pilates e ao ioga para grávidas. Na comida, descontraí e por essa altura já comia sushi quase todas as semanas (é das coisas que mais me sabem bem... peixe fresquinho fresquinho), assim como passei a petiscar sem peso na consciência algumas fatias de fiambre e salmão fumado.
Em relação ao peso, tudo tranquilo... cerca de 6 quilos a mais era para mim aceitável. As idas à casa de banho aumentaram, mas também não eram grande novidade para mim, que sempre fui uma espécie de incontinente crónica.
A recta final
A recta final trouxe muitas mudanças, nem sempre esperadas e fáceis de lidar. Finalmente a barriga começou a “pesar”. Embora não tenha engordado muito (9 quilos e pouco até aos 8 meses), nunca é fácil ver os números mudarem na balança. Depois da viagem de carro de Portugal comecei também a sentir uma enorme pressão na zona do baixo ventre que quase me impedia de andar. E isso começou a incomodar e a condicionar o que fazia antes. Era como se tivesse uma eminente vontade de ir à casa de banho, como se de repente a bebé fosse sair por ali... Primeiro pensei que teria sido das muitas horas de carro (e condenei-me por isso), depois apercebi-me que esta pressão era “normal” (de acordo com as ecos e a midwife) e me iria acompanhar pelos últimos meses. Esta condicionante nem sempre é facil. De repente deixei de consegui fazer caminhadas (na verdade, uns meros passos ou escadas passaram a ser um considerável desafio para mim) e o simples facto de me baixar para apanhar qualquer coisa não passou a ser tarefa fácil. Mas fico feliz por poder continuar a andar de bicicleta sem esforço e de poder fazer alguns exercícios de pilates e ioga, que muito me têm ajudado.
Outro problema destes últimos meses é sem dúvida a dor de costas. As minhas hérnias de estimação não me têm dado muitos momentos de sossego. O peso da barriga e a pressão faz-se sentir cada vez mais. Deitada sobre o lado esquerdo é ainda como estou melhor. Mas são muitas as alturas em que me sinto partir em três e, nessas alturas, é difícil evitar as lágrimas. Os exercícios, no entanto, ajudam-me bastante. E devo agradecer à minha professora de pilates e ioga por me ter ensinado alguns exercícios que posso facilmente fazer em casa.
Como não engordei muito até agora e a barriga manteve-se pequena, só nestes últimos meses notei mudanças significativas no meu corpo. E não, também nem sempre isso é fácil de gerir. Todo o corpo aumenta, incha, muda de cor (sim sim, há partes do corpo que incham e mudam de cor... mas destas coisas ninguém fala porque somos um bando de puritanos). A roupa deixa de servir. Mesmo os pijamas do respectivo parecem ficar apertados. As calças de ganga com elástico (aquelas para grávidas) começam agora a apertar e a não me deixar respirar. Muitas são as vezes em que me olho ao espelho e não me reconheço. E por muito que adore tudo o que estou a viver e goste do que vejo, estas mudanças nem sempre são fáceis de gerir. A maneira como nos vemos, como o nosso companheiro nos vê e a forma como reagimos a este “novo corpo” nem sempre é pacifica. Acredito que tudo difere de pessoa para pessoa e de casal para casal... mas... para mim nem sempre pareceu fácil. “A mulher grávida é linda” é um cliché fantástico, mas nem sempre foi para mim real, sobretudo quando já nada nos serve e nos deslocamos com a imensa agilidade de um elefante bebé. Salvam-me as leggings e os vestidos. Salva-me o tempo e temperatura da Holanda (acho que se estivesse em Portugal me trancava em casa coberta de cubos de gelo). Salva-me o meu horário de trabalho, que me permite sair relativamente cedo, chegar a casa, tirar a roupa e atirar-me para cima da cama. Enfim... há que salientar que o calor que sinto agora é fenomenal. A mega friorenta, aquela que em Junho dormia com edredons, dorme agora de noite como se estivesse nas Maldivas. Nunca tenho frio e compro optimista roupa de Verão, como se este estado se fosse manter para sempre (o que de certo não irá acontecer).
Este último trimestre tem a sua parte “gira”, pelo menos para mim. Tudo se torna de repente mais real, mais próximo. Embora a pressão de ter tudo preparado a tempo seja maior, sabe-me bem organizar tudo devagar... as roupas, a mobília, o parto. Posso dizer que temos muita sorte por aqui estar. Muitas coisas são diferentes por terras holandesas, mas para quem não tem qualquer experiência anterior para comparar, acaba por não sentir essa diferença. É certo que não sou seguida por um ginecologista ou obstreta, mas tenho consultas regulares com a midwife (nesta fase, de 2 em 2 semanas), faço exames frequentemente e até definimos um Birth Plan com os aspectos principais de tudo o que envolve e desejamos durante o parto. Aqui não vamos a correr para o hospital após as primeiras contracções. A enfermeira vem a nossa casa e quando estiver “quase quase” acompanha-nos ao hospital (sim, decidimos ter a bebé no hospital e não em casa, como é hábito por aqui). Depois, se correr tudo bem, “correm comigo” após 2 ou 3 horas depois da bebé nascer, mas sou acompanhada por uma enfermeira que estará comigo em casa por algumas horas/dia durante 8 dias. Trata de mim, da bebé, dá-me conselhos e ajuda no que for preciso. Isso dá-me, de certo, alguma segurança, sobretudo porque não teremos o apoio familiar que teria se estivesse em Portugal.
Embora ja vá longo, vou considerar este texto inacabado. Afinal, se tudo correr como previsto, ainda tenho pela frente cerca de 1 mês e uns dias...veremos, conforme o humor da Maria Inês!
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