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Como viver quando não és aquilo que a sociedade espera que sejas?

  • Foto do escritor: asduarte79
    asduarte79
  • 13 de ago. de 2014
  • 7 min de leitura

É dificil. As expectativas são muitas. São sempre muitas. A maior parte das pessoas vive de acordo com aquilo que se espera delas. As mulheres ainda vivem para ter filhos (mesmo que mais tarde); os homens vivem medindo a sua masculinidade e sexualidade, mesmo quando dizem que não o fazem; as mulheres vivem a chatear os homens porque estes não arrumam a casa, mas acabam por ser elas a querer tudo tão perfeito que nem lhe dão espaço para isso, ambos (homens e mulheres) vivem esperando encontrar “aquela pessoa”, a “tal”; os avós vivem para “estragar” os netos, como se competissem com um amor que não tem competição, ... Enfim, existem excepções, é certo. Mas a verdade é que diariamente sentimos que existe um espaço e um lugar que deve ser ocupado por nós na sociedade. Pode ser algo inconsciente, mas está lá. E não é apenas a sociedade que nos impõe isso, somos nós mesmos. Todos os dias exigimos de nós, questionamo-nos se não estaremos “a sair da linha”, a sair do lugar que nos é destinado e, quando o fazemos, sentimo-nos mal. Quantas vezes pensamos “era suposto ser assim”. Falo no plural, porque creio não ser apenas eu a sentir tais coisas. Porque falo com as pessoas, porque sinto as suas pequenas aflições do dia-a-dia. Talvez agora tenha mais tempo para sentir. Tempo a mais... também isso não é suposto acontecer. A mãe que não tem tempo para a filha; a mulher que não consegue controlar o seu filho; a colega que sente não estar à altura das expectativas do patrão; a amiga cujo namorado não está à sua altura; ... São tantas as nossas exigências. Não, não é apenas a sociedade que nos exige, somos nós. Todos os dias exigimos mais e mais de nós. E não, isso não é negativo. Ao exigirmos de nós crescemos, superamo-nos, somos melhores. Mas... mas também aumentamos muitas vezes as nossas frustações, baseadas no “devíamos ser isto”, “devia ser assim”. Qual é a linha que separa isto? O que separa o querermos ser melhores e o “devemos ser”, o “temos de ser”? São pensamentos que me atormentam há algum tempo, mas como digo, talvez tenha agora apenas demasiado tempo para pensar. Demasiado tempo, isso é suposto?


Ora vejamos, durante anos (aproximadamente 7 anos) vivi sufocada com o meu trabalho. Sim, fazia o que gostava, mas isso envolvia-me de tal maneira que acabei por deixar muita coisa, pequenas coisas que gostaria de fazer. Não mudaria nada, não voltaria atrás. Fui feliz. Fiz escolhas, amei o que fiz, mas senti-me perdida inumeras vezes. Não tinha tempo. Ao contrário do que acontece agora, não tinha tempo para pensar. Cheguei a trabalhar em 4 locais diferentes (a fazer coisas diferentes) no mesmo dia, chegava a casa e o trabalho continuava. Alturas houve em que além disso, estudava, tratava sozinha da casa, do cão, fazia Lisboa-Torres Vedras todos os dias. Era feliz porque ensinava, sim, mas isso era tudo? Vivia esgotada, com a sensação de falta de tempo. Passei anos sem ler um livro, a adormecer nos genéricos dos filmes. Numa altura de maior exaustão, cheguei a desistir cansada de alguns trabalhos, em lágrimas, por achar que não estava a ser forte o suficiente para conseguir aguentar. Na noite anterior a minha mãe tinha-me ajudado a despir, estava deitada em cima da cama e simplesmente já não tinha energia para mais. Continuei... durante anos acordei às 6h, fiz quilómetros, desloquei-me entre diferentes sítios, cheguei a casa à noite e continuei a trabalhar. Dormia em média 4 a 5 horas por dia. Sim, fazia o que gostava, era feliz! E ouvi algumas vezes: “Esta não é a vida que tu escolhestes? Porque te queixas?”. Ouvi também exigências. Porque não tinha tempo. Não tinha tempo para ver os amigos; porque trabalhava em Lisboa e nunca tinha tempo para um cafézinho. É verdade, quando queremos arranjamos tempo. Ou, às vezes talvez não. Sentia que me exigiam de mais. Sentia, que também eu me exigia de mais. Penso que sempre foi assim. Entre colegas (depois amigos) dizíamos que tinhamos que deixar esta vida. Mas no início sabia bem o dinheiro que recebíamos, e quando o dinheiro deixou de chegar, sabia bem o convívio e a amizade que nos unia. Mas o cansaço estava lá. Não apenas na minha cara, na cara daqueles com quem partilhava o meu dia.


Quem estava de fora nunca se interrogou: “É isto que queres? Porque fazes isto? Porque escolhes viver sem tempo? Porque tens que o fazer? Até quando?” Trabalhava, ensinava (é o que eu amo fazer) e não era suposto questionar-me quando tinha um trabalho num mundo de desempregados. Era tudo “normal”. Era normal o esgotamento e cansaço que sentia, era normal o não ter tempo, por vezes a falta de vontade e o mau humor, eram normais as noites e fins de semana de trabalho, a crescente falta de condições laborais e a desconsideração que alguns tinham em relação às funções desempenhadas, era normal. “As coisas estão mal e é mesmo assim”. Nunca ninguém me perguntou até quando ficaria assim. Nunca ninguém se atreveria a questionar porque não deixava aquela vida de stress, os vários locais de trabalho em simultâneo, a falta de vida de social, a falta de tempo com a família, a falta de tempo para mim. Era assim, era assim que era suposto ser.


Estou em Enschede há pouco mais de 2 meses. Mudei de vida. Fiz algo que sempre disse não fazer. Mudei de país, saí de perto dos meus pais e dos meus amigos. Dei um passo enorme que confesso ainda estar a digerir. Fiz o que achava certo. Segui o que me dizia o meu coração, porque não poderia ser de outra maneira.


Depois de vários anos, tenho tempo para mim. Tenho tempo para escrever isto, sem estar a contar os minutos. Isso, neste momento, não tem preço. Nunca fui muito destemida, nunca fui muito aventureira, mas para mim o vir para outro país foi isso mesmo, uma aventura, um desafio. Gostava de ver isso mais vezes como um acto de coragem. Gostava de responder apenas isso quando me perguntam porque vim. Seria muito mais fácil. A outra resposta resume-se "apenas" a “vim ter com o meu grande amor”. Como se isso por si só fosse insuficiente e até patético. Não, não foi apenas isso, foi "um acto de coragem”. Será essa a minha resposta daqui em diante. Sim, vim ter tempo para mim. Vim dar-me esse pequeno luxo. Sim, comecei a andar de bicicleta passados 30 anos, por isso acho que também posso dizer “vim ultrapassar os meus medos”. Também me deparei com situações dificeis quando cheguei. A minha cadela “incomodou” os vizinhos. Nas primeiras semanas recebi “ultimatos”, de tal forma que ponderei separar-me dela, encontrar um sítio onde a acolhessem e gostassem dela e isso, só por si, partiu-me o coração. Demorou um mês a habituar-se à nova casa. Tentámos tudo. Encontramos soluções. Olho para ela todos os dias (mesmo quando faz asneiras) e fico feliz por não termos chegado a desistir. Então acho que posso dizer também que “aprendi a ser ainda mais persistente”, “aprendi a lutar por aquilo que eu amo”, “aprendi a não desistir”. Também tenho investido numa velha batalha – o inglês. Tenho estudado, tenho falado, tenho lido, tenho melhorado. Ao mesmo tempo tenho aprendido uma nova língua. Ando mais, faço mais exercício, leio, vejo televisão, pinto, escrevo, saio e tenho convivido mais com pessoas nestas últimas semanas, do que o fiz nos últimos anos. Tenho uma maior qualidade de vida. Gostaria de poder pôr estas coisas no currículo, em vez de aí ficar um vazio de meses. Mas estas coisas não contam, nem a nível profissional, nem mesmo quando falas com os teus amigos e conhecidos.


Porque acima de tudo “tens que fazer mais qualquer coisa”, “não é suposto viver assim”. É suposto não teres tempo para respirar, teres um ou vários trabalhos que te consomem, mas não é suposto investires em ti como pessoa, não é suposto teres tempo, não teres um trabalho, estares em casa por opção.


Salvo raras excepções, a primeira coisa que me perguntam não é se estou feliz ou se estou bem, é se já encontrei um trabalho. Isso diz muito sobre muita coisa. Não critíco. A sociedade é mesmo assim, eu sou mesmo assim. Durante anos senti-me cansada, mas para mim “era normal”, eram assim que as coisas tinham que ser. Agora interrogo-me mais. Sempre. “Porque estou em casa? Porque ainda não comecei a procurar trabalho? Porque estou a ter tempo? Porque estou demasiado tranquila? “


A natureza humana é mesmo assim. Inquieta. Insatisfeita. Exigimos permanentemente aos outros e a nós mesmos. Muitas vezes nem nos damos a oportunidade de tentar, de seguirmos outros caminhos “que não são supostos”. Vivemos de acordo com as regras que nos impõem e que nos impomos e somos duros nos julgamentos que fazemos.


Sim, estou feliz aqui, sou feliz agora. Não quero a longo prazo continuar sem trabalhar. Talvez porque, mesmo esgotada, tenho feito nos últimos anos aquilo que gosto. Provei o sabor de fazer o que amo e isso não se esquece. E eu amo ensinar. É isso que eu me imagino a fazer. Não sei se será assim, não sei se terei essa possibilidade. Talvez simplesmente não esteja a ver os outros caminhos, além daqueles que são supostos. Tenho projectos, tenho objectivos, tenho sonhos, como sempre tive. Quem me conhece, sabe que não consigo estar parada. Mas por enquanto... vou simplesmente respirar, aproveitar, descansar, aproveitar as férias em Setembro em Portugal, matar saudades, carregar-me da energia que só aqueles que gostas e que gostam de ti te podem transmitir e, depois seguir o rumo que me estiver destinado ou que eu destinar. Até lá, e para aqueles que perguntarem, vou dizer que ainda não encontrei um trabalho, ainda nem sequer procurei, mas tenho o mais importante: estou feliz!

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É porque cada instante em mim foi vivo

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